Alerta vermelho

11-02-2014 00:00

 

A temática das praxes abusivas, humilhantes e violentas não é de agora. Há anos que, sucessivamente, têm sido reportados casos concretos de situações bizarras em que, sob a égide de uma pretensa inclusão dos recém-chegados ao mundo académico de grau superior – particularmente aqui – o que verdadeiramente acontece são atos de selvajaria e prepotência, praticados não num contexto de receção e boas-vindas, mas sim de supremacia e domínio hierárquico. A começar na terminologia utilizada, em que o caloiro é a «besta» ou similar, passando pelas brincadeiras de mau gosto, que de integradoras têm muito pouco – não vejo em que medida é que, por exemplo, aplicar uma substância viscosa na cabeça dos alunos ou fazê-los rebolar na lama poderá ter associado o conceito de integração – restam-me poucas dúvidas de que, cada vez mais, a praxe está absolutamente enviesada da sua motivação original e serve, isso sim, para que alunos emocionalmente debilitados e com formação humana muito pouco íntegra se sirvam dos seus colegas para potenciar as suas frustrações, sentindo-se poderosos e dominadores ao menos no período em que dura esta prática dita académica. Estarei a ser injusto? Deixo ao critério do leitor o ajuizar da minha argumentação. Certo é que foi preciso acontecer a tragédia do Meco – cretinamente apelidada de «brincadeira de mau gosto» por um alto responsável do conselho de administração da Universidade Lusófona – para que o assunto voltasse à ordem do dia e, inevitavelmente, pelos piores motivos.

 

Mas o «alerta vermelho» vai para além disto. Um estudo recente, da autoria do sociólogo Lourenço Xavier de Carvalho, que está na base de uma tese de doutoramento apresentado há poucos dias numa conferência sobre «literacia social» decorrida em Mafra, demonstra que quanto mais escolarizado e rico é o português, menos valor atribui à justiça, à honra ou à solidariedade. Mais, «lutar por uma causa justiça» diminui significativamente com a idade, atingindo valores bastante baixos na faixa etária dos 30-40 anos, havendo apenas uma inflexão a partir do 50, em que se volta a assumir essa luta como ideal e princípio social de valor. E se tivermos em conta que são vários os autores da área social que defendem que a génese da atual crise económica e social está diretamente correlacionada com o abandono de padrões éticos na condução de negócios ou com o colapso generalizado de códigos de conduta, como defende Roberto Carneiro, antigo ministro da educação, mais facilmente se percebe que, em definitivo, o que está em causa é uma urgente mudança de paradigma educacional, sob pena de, se nada for feito, estarmos já hoje a formar indivíduos focados quase que exclusivamente no seu bem-estar pessoal, conseguido a qualquer custo, com desprezo pela ética e pela moral, alicerçado na mentira e na cobiça, e com ignorância total e absoluta indiferença em relação aos seus pares, banalizando as dificuldades, injustiças e o sofrimento do próximo, ao qual serão manifestamente alheios. E se, já hoje, este tipo de comportamento se reflete amiúde no seio das comunidades de topo, seja no âmbito da decisão política ou no domínio empresarial, imaginemos o que será o amanhã que se segue, se não houver inversão do rumo. Arrepiante!...