Caprichos e necessidades

02-01-2014 00:00
 
Aqui há umas semanas circulava no nosso grupo de discussão uma crónica redigida por Mia Couto, conhecimento escritor moçambicano, intitulada «um dia isto tinha de acontecer», que versava essencialmente sobre as limitações que a geração de pais mais contemporânea do período pós 25 de abril – essencialmente esta – está a atravessar por conta da tão propalada crise económica e social que teima em persistir, designadamente por via dos vícios e hábitos de consumo exacerbado e caprichoso que foi incutindo aos seus filhos, numa ânsia absoluta de querer facultar-lhe o acesso e a posse de tudo e mais alguma coisa que nas suas primárias vivências de meninice e juventude lhes tinha sido negado pelos seus próprios progenitores. Esta semana dei novamente de caras com este texto, desta feita partilhado na rede por uma conhecida cara da vergôntea jornalística do canal público de televisão, e resolvi aprofundar a matéria, pensa-la e dedicar-lhe algumas linhas que agora partilho neste espaço.
 
O texto do literato é tão áspero quanto real; dá conta de uma série de erros cometidos pelos progenitores ao longo dos tempos, a ponto de deixar no ar um sentimento de fatalidade motivado pela derrota que é narrada na primeira pessoa, e que de facto nos leva a um exercício de introspeção, motivando uma autocrítica e uma avaliação de nós próprios, do nosso comportamento enquanto pais, enquanto pilares da educação, enquanto exemplo para os nossos filhos, as crianças e adolescentes do hoje que amanhã estarão na condução dos destinos deste país.
 
A geração delapidada no texto vive acossada pelo amargo de não ter, nos dias que correm, a capacidade de continuar a alimentar o capricho, ao tempo em que percebe que da sua ação inconsequente brotou um conceito diferente de “necessidade”. É agora visível, mais do que nunca, que o supérfluo tomou o lugar do essencial e mais grave que isso, não há discernimento suficiente nas camadas mais jovens de conseguirem destrinçar ambas. O ter, o proporcionar, o ocasionar, resultou numa falsa leitura daquilo que a vida, em si, não é: facilidade! Os jovens precisam de compreender que para se ter algo, é preciso lutar por esse algo; para se ser alguém, é preciso vingar com empenho, com entrega, com dedicação; o velho ditado chinês do “peixe” e do “ensinar a pescar” tem agora um sentido muito mais abrangente, é mais atual que nunca. É certo que dar o peixe jamais resolveu o problema, mas o pior é que, agora, é preciso convencer os nossos que a solução está em aprender a pescar. Vocacioná-los para isso, incentivá-los é o grande desafio com que os pais dos dias modernos se debatem. Querer dar o melhor aos nossos filhos é providenciar-lhes aquilo que verdadeiramente os tornará melhores homens no amanhã que se avizinha. Falo de valores, falo de princípios, falo de honestidade e humildade, de espírito de sacrifício e entrega. Falo de coragem, determinação. Em suma, o que é preciso, a meu ver, é recuperar o património humano que temos em nós e reequacionar prioridades. Não tornar necessário o que é um mero capricho e ter a capacidade de evidenciar o «não» quando é preciso. Certo que nem tudo o que um filho nos pede é supérfluo, mas seguramente também nem tudo será necessário. Compete-nos pois, ter a capacidade e destreza de conseguir avaliar em cada momento a decisão mais eficaz, tendo por base o que é fundamental na sustentação equilibrada e salutar do seu crescimento. Não é fácil, mas é possível.